Como trabalhar o tempo de atenção conjunta?
Sabemos que as pessoas com autismo conseguem ter um tempo de atenção espetacular, podendo ficar horas e horas focadas na mesma coisa. Como por exemplo, num girar de um objeto, numa bola a saltar, ou a ver a máquina de lavar a girar durante mais de uma hora. O tempo de atenção acaba por não ser o desafio pois afinal podem passar horas e horas seguidas em comportamento repetitivo e estereotipado. O grande desafio deles é o Tempo de Atenção Conjunta.
E afinal o que é isto do Tempo de Atenção Conjunta?
Em termos simples, refere-se à capacidade das pessoas estarem envolvidos num atividade em interação com outra pessoa durante um certo período de tempo, sem interrupções (antes de "desligarem" e voltarem para a sua esteriotipia). E este tempo de atenção conjunta pode variar de segundos a minutos, ou até mesmo horas, dependendo do grau de envolvimento e motivação que a pessoa tiver pelo o que lhe está a ser oferecido.Vejam este exemplo: sou uma pessoa que pode passar horas e horas seguidas a ver séries, sem desligar do que está a acontecer e com a minha atenção e foco ao máximo na atividade em si. Mas se me começam a falar sobre termos financeiros ou matemáticos, desligo no primeiro minuto pois é um assunto que apesar de ser importante não me motiva minimamente. É como as pessoas "neurotípicas", que podem passar horas focados ao telemóvel - nem sabemos como conseguem ter um tempo de atenção tão bom - mas no que toca às aulas de português ou de matemática de 45 minutos, não conseguem manter atenção seguida durante esse período.No caso das pessoas no espetro do autismo passa-se o mesmo. O tempo de atenção conjunta é uma competência que se pode trabalhar e aumentar de forma muito considerável.
Então qual é o primeiro passo?
Começa por saber exatamente qual é o tempo médio de atenção conjunta da pessoa com autismo. É importante ter a consciência que se a pessoa está em comportamento repetitvo e não está responsiva, não está em tempo de atenção conjunta. O tempo de atenção conjunta é somente o tempo em que a pessoa está envolvida contigo em qualquer tipo de interação.Imagina agora o seguinte exemplo: a pessoa com autismo está em esteriotipia e para para interagir contigo, ficando em interação por um período de aproximadamente 1 minuto. Desliga da interação e volta para a esteriotipia e passado outro minuto torna a interagir contigo por mais 1 minuto. Neste caso o tempo de atenção conjunta é somente de 1 minuto e não 2, pois a pessoa desligou a meio para depois poder voltar à interação.Caso o tempo de atenção conjunta da pessoa seja neste momento baixa, não desamines. Até acaba por ser um bom sinal! Quer dizer que neste momento os desafios que tem e a dificuldade em fazer certas coisas pode estar relacionada com este baixo tempo de atenção conjunta. Se o tempo atual dela é de 30 segundos a 1 minuto será muito difícil conseguir com que a pessoa se envolva num jogo, ou até mesmo iniciares uma conversa com ela. Mas se começares a trabalhar o tempo de atenção conjunta e este aumentar, imagina as competências que ela irá adquirir!
Pronto/a para o segundo passo?
Tem atenção ao ambiente quando estás a trabalhar o tempo de atenção conjunta com a pessoa com autismo. Tenta minimizar a exposição aos estímulos (exemplo: remover apoios visuais que não são necessários à atividade ou brincadeira, desligar a televisão, arrumar os brinquedos do chão e colocá-los numa prateleira, etc).
Terceiro e último passo!
Depois de calculares e saberes qual a média do tempo de interação da pessoa é então hora de meteres mãos à obra e focares em esticar a atenção conjunta. Para isso ser possível são precisas duas estratégias chave: o respeitar a esteriotipia e juntar-se à mesma quando está a acontecer como forma de mostrar à pessoa que estamos ali para ela e respeitamos o seu tempo, e recorrer ao uso das suas motivações. Tem então em consideração os seguintes pontos:
1. Faz uma lista de interesses da pessoa e inclui muito disso no momento da interação
Sê um verdadeiro detetive! Observa a pessoa com autismo, o que ela gosta de fazer? O que lhe cativa a atenção? Algum brinquedo em especial, algum desenho animado em particular, algo que ela tenha ido buscar espontaneamente, algo que observes constantemente... Tenta entender o que cativa realmente o seu interesse. É o movimento? É a textura? Que sensações retira?
2. Faz uma lista de ações motivadoras e inclui igualmente muito disso no momento da interação
Ou seja, ação motivadora é toda a ação que ofereces à pessoa e que ela demonstra querer que se repita - por exemplo - fazer cócegas, balançá-la, apanhadas, ver-te cair de forma engraçada, etc.
3. Se a pessoa desligar da interação, volta a juntar-te ao seu comportamento repetitivo
A quantos de vocês já aconteceu estarem numa interação com a pessoa com autismo e ela desligar e iniciar um comportamento esteriotipado? Muitos, não é? Quando isso acontece, volta a juntar-te ao comportamento repetitivo da pessoa. Mostra que estás ali com ela, não para fazer o que tu queres e achas que é melhor, mas para passar um bom momento com ela. Mostra como a interação humana pode ser boa e divertida. Queremos porporcionar-lhe o máximo de bons momentos para que tenham cada vez mais interesse em nós e partilhar momentos de interação connosco.O facto de ter voltado para o seu "mundo" não quer dizer que está tudo perdido, antes pelo contrário. A pessoa pode estar apenas a precisar de tempo para processar tudo o que está a acontecer para depois voltar a estar disponível. Procura ver isto como uma valsa a dois: deixa-te guiar pela pessoa, segue os seus passos, o seu tempo, o seu ritmo, deixa fluir e acontecer naturalmente. Não penses, sente o momento, confia na pessoa e deixa-te levar.
4. Convida a pessoa a voltar para a brincadeira ou atividade uma vez
Queremos ser persistentes, mostrar que acreditamos na pessoa com autismo, mas não queremos ser "chatos". Não queremos pressionar demasiado a pessoa ao ponto que sinta que a interação social é demasiado para ela. A insistência diminui, na maioria das vezes, o interesse da pessoa em continuar a atividade. Tal como nós, no nosso dia-a-dia, a maior parte de nós tende a evitar pessoas aborrecidas e insistentes, como o vendedor de um serviço de telecomunicações, que nos tenta impingir um novo serviço ou mudança de tarifário ligando várias vezes ao dia. Quantos de vocês atende sempre o telemóvel? Muitas vezes, acabamos por não atender porque é um tipo de interação que, nem sempre, estamos disponíveis para ter.No caso das pessoas com autismo é igual, queremos dar-lhes espaço e não queremos forçar a interação. Mas também não queremos desistir já, por isso vamos convidá-la uma vez para voltar à brincadeira ou atividade, procurando fazê-lo de uma forma fácil, divertida e com muito entusiasmo! Ao ver o nosso entusiasmo as probabilidade de a pessoa aceitar a nossa proposta aumenta consideravelmente! A nossa atitude é fundamental. E se a pessoa aceitar o nosso convite vamos celebrar esse facto e mostrar-lhe como estamos felizes dizendo por exemplo: "Que bom que voltaste para a nossa brincadeira! Estou tão animado por estares aqui comigo!". Porém se a pessoa não for responsiva ao convite, vamos respeitar e voltar a juntar-nos à atividade que está a fazer. Mais oportunidades de interação virão! Lembrem-se: mílimetro a mílimetro...
Considerações finais...
As pessoas no espectro do autismo dão-nos sinais no dia-a-dia de que estão prontas para interagir connosco, às quais podemos chamar de "janelas de oportunidade". Estes sinais podem ser: um contacto visual, a pessoa vir ter connosco, toca em nós (encosta-se no nosso ombro, vem para o nosso colo...) olhar para o que estamos a fazer, falar para nós... Este pequenos sinais, mostram-nos que a pessoa está disponível para a interação e são oportunidade que queremos sem dúvida agarrar. Podes fazer coisas muitos simples para agarrar a sua atenção, mesmo que não tenhas planeado esse momento.
Brinca com a tua criatividade, tem reações que sabes que irá cativar a sua atenção:
- Se a pessoa gosta de expressões faciais exageradas começa a falar com ela exagerando as tuas expressões de forma engraçada
- Se a pessoa gosta de um desenho animado em específico, com uma voz diferente, começa a falar com ele nesse tom (por exemplo: Mickey Mouse)
- Se a pessoa gosta de expressões corporais exageradas começa a usar o teu corpo para chamar a sua atenção: faz uma dança estranha, cai no chão, finge que escorregas e começa a exagerar nos teus movimentos
- Se a pessoa gosta de música começa a cantar para ela as suas canções favoritas
- Se gosta de supense, cria suspense: esconde-te atrás do sofá e esconde uma das tuas mãos atrás das costas, vai ter com ela passo a passo dizendo que tens algo escondido atrás das tuas costas e quando chegas ao pé dela enche-a de cócegas enquanto lhe dizes que és o monstro das cócegas!
As ideias que podes usar são infinitas! Puxa pela tua criatividade, observa as reações da pessoa para ver se gosta, não tenhas medo e arrisca! Todos aprendemos mais quando estamos motivados e interessados no que estamos a fazer. Todos nós estamos mais propensos a tentar um pouco mais se estivermos a desfrutar da nossa experiência (se estamos a fazer o que gostamos). Usar as motivações da pessoa com autismo nas atividades ajudá-la-á a crescer e a aprender mais. Utiliza cada momento que sintas que é uma oportunidade.E acima de tudo... Diverte-te no processo. Se te divertires, maior serão as probabilidades da pessoa se divertir contigo. Sê um íman de interação! Força e boas brincadeiras! Partilhem connosco como correu!Modelo Autism Rocks!, adaptado do livro "Vencer o Autismo" com o The Son-Rise Program de Raun Kaufman