Motivar a tentativa

O processo de aprendizagem é um processo complexo. Para aprender é preciso em primeiro lugar “errar”. Aprender uma nova competência ou algo de novo, requer várias tentativas, vários erros, até conseguirmos dominar alguma coisa.No caso do autismo, faltam algumas competências que gostaríamos imenso que eles aprendessem e a nossa vontade de os ajudar a ganhar essas competências é muito grande! A única forma de isso acontecer, é motivar a pessoa a tentar, e a tentar várias vezes.

Resistência em tentar

Se a pessoa que acompanhas não estiver disposta a tentar, será muito difícil para ela ultrapassar os seus desafios e é aqui que o nosso papel pode ser fundamental. Existem algumas razões que explicam a dificuldade das pessoas no espetro do autismo terem dificuldade ou terem maior relutância a fazer várias tentativas para coisas que têm dificuldade.As duas principais razões estão relacionadas com a área da flexibilidade e com o tempo de atenção conjunta – ambas áreas onde têm vários desafios.

Sentirmo-nos bem sucedidos

A maior parte de nós deseja ter sucesso nas coisas que faz. Quando não estamos a ser bem sucedidos em algo, temos tendência para desistir ou parar de tentar continuar. Como por exemplo iniciar e continuar uma dieta alimentar, fazer desporto físico de forma regular, conhecer novas pessoas… Tudo o que nos coloca em situações mais vulneráveis, se tivermos oportunidade de nos desmarcarmos assim o fazemos, porque no fundo elas espelham bem as nossas “fragilidades” ou “músculos fracos” e ninguém gosta de se sentir assim.Estas situações fazem-nos perder confiança em nós ou colocam-nos a auto-estima mais para baixo, daí muitas vezes acabarmos por desistir para não nos sentirmos assim. E no caso do autismo, não se passa de forma diferente. A única diferença é que no caso do autismo, talvez os seus desafios sejam maiores e em áreas que a maior parte “domina” facilmente. Então por vezes temos dificuldade em entender ou ter empatia para aceitar que para eles o processo de aprendizagem pode ser mais lento ou tem de ser de outra forma.Para pessoas com autismo, coisas simples como seguir instruções ou regras, pode ser efectivamente muito complicado – mas não quer dizer que seja impossível de o conseguirem! A nossa abordagem é que talvez tenha de ser diferente!

Por onde começar?

Começa por observar a tua atitude quando estás a trabalhar com a pessoa que acompanhas e ela não consegue fazer o que queres ou pedes. Tenta perceber como reages… Será que costumas encolher os ombros? Revirar os olhos? Respirar fundo? Fazer algum tipo de comentário? Em que situações elogias mais? Quando tenta fazer algo ou quando ela tem efetivamente sucesso?Seja qual for a resposta a estas perguntas não te martirizes nem te sintas mal! Somos todos, acima de tudo, seres humanos, com as nossas dúvidas, receios, angústias e próprias frustrações e não tem mal nenhum.

Modelar

Uma coisa que podes começar a fazer, é usar qualquer oportunidade para incentivar a pessoa a tentar. Modela exemplos teus no teu dia-a-dia para ela observar e ver que as tentativas fazem parte do processo para termos sucesso e conseguirmos fazer as coisas.Faz tentativas deliberadas no teu dia-a-dia em casa quando estás com ela e explica o que está a acontecer. Por exemplo quando estiveres a cozinhar, explica a dificuldade que tens em acertar com a quantidade certa de água para o arroz ficar bom e soltinho como todos gostam, quando estiveres a cozer uma peça de roupa expressa a dificuldade que tens em acertar com a linha na agulha e diverte-te a tentar e a tentar até conseguir… Estes são apenas alguns exemplos mas com certeza haverão muitos mais!Aproveita as dificuldades que tens no dia-a-dia e “exagera” nessas dificuldades para partilhar com ela que também as tem, que é normal e que não te importas de tentar e tentar até conseguir! Torna o processo de tentar tão natural, que já nem te apercebes que estás a “tentar”.

Não sabotes as tentativas

Não sabotes as tentativas da pessoa que acompanhas. Quantos de nós por vezes não se sente mal de ver a pessoa a tentar e a tentar, mas como não está a conseguir, tentamos facilitar inconscientemente o processo? Precipitamo-nos para ajudar que nem damos espaço para tentar e errar ou tentar e conseguir.As pessoas com autismo por vezes demoram mais tempo a processar a informação que lhes é dada, e ao reagirmos demasiado rápido na tentativa de as ajudar, pode na verdade lhes estar a retirar a oportunidade de fazerem por elas e conseguirem.Imagina o caso de uma pessoa não verbal ou pouco verbal. Estás a tentar incentivar  a dizer uma sílaba ou uma palavra para ter o que quer. E vês que está a tentar e a tentar de forma repetitiva mas está com grande dificuldade. Inconscientemente ajuda-a a terminar a palavra ou dizes a sílaba por ela, ou vais a correr buscar o que quer antes de ela ter terminado de tentar. É fundamental que não evites, reduzas ou tornes mais fácil as suas tentativas. A pessoa continua a tentar e não está a conseguir? Ótimo! É um músculo fraco que temos que trabalhar e é na dificuldade que o conseguimos fazer.Claro que temos sempre de ter em conta o nível de desenvolvimento e o pedido que lhe está a ser feito – ter em atenção que tenha as bases para conseguir fazer o que lhe estamos a pedir. Não vamos pedir a uma pessoa completamente não verbal a dizer já uma frase ou uma palavra completa – vamos antes começar pelas sílabas, começando por sílabas com sons que ela já diz… Queremos dificultar e estimular a ultrapassar os seus desafios, mas de forma consciente e tangível.

Objetivos realistas e tangíveis

Tem em atenção que o grau de desenvolvimento e o grau de desafio que estás a sugerir não estejam demasiado desfasados – não queremos tornar as coisas de propósito mais difíceis para elas, queremos sim ajudá-las a fazer este processo naturalmente, como todos nós fizemos e fazemos.Pensa nisto… Quando inicias uma atividade física ou um desporto em especifico, começas por aprender as bases, ganhar resistência, força e depois fazes exercícios mais avançados. Depois de todo este trabalho inicial… No caso do autismo é igual… Começa pela base, pelo básico e vai aumentando o grau de desafio pouco a pouco, à medida que a pessoa vai acompanhando e subindo os degraus da aprendizagem um a um.

Celebra cada tentativa

A celebração é fundamental para ajudar a construir a confiança e auto-estima das pessoas. E temos tantas oportunidades para o fazer… Quando nos olha nos olhos, quando diz uma palavra ou uma frase, quando faz uma pergunta… E muitas vezes deixamos estas maravilhosas oportunidades de celebrar, passar.A ideia é focar menos no que falta e celebrar mais o que já existe ou as tentativas de ser melhor. Vamos-nos focar nas mais pequenas realizações que fazem ao longo do dia e vamos celebrá-las. Olhou para ti? Pediu-te água ou comunicou-te que estava com fome? Comemora isso, celebra e agradece o facto de ela ter pedido tão bem, explicando que dessa forma consegues ajudá-la sempre que precisa.Mesmo que já o faças ou já o tenhas feito, continua a fazer. Celebrar vai aumentar as probabilidades da pessoa voltar a repetir essa mesma ação, vais-lhe mostrar o quão animado(a) e feliz estás pelo o que ela fez. Vais-lhe dar valor e reconhecimento e vai ser divertido para ela.A ideia aqui é começar a celebrar cada pequena coisa que já faz e celebrar mais ainda sempre que tenta. Se queres que aponte para as orelhas mas aponta para a barriga, celebra! Celebra, modela o que gostarias e volta a incentivar a tentar – “Uaaaau, estás tão perto! Que excelente tentativa! Estás quase quase, vou-te mostrar como fazer para te ajudar…!”Começa por exemplo a fazer-lhe cócegas na barriga explicando que é a barriga e vai até as orelhas explicando onde estão e onde querias que tivesse apontado. E convida-a a tentar de novo de uma forma motivadora e animada.

Em suma...

Mantêm este pensamento… Sempre que a pessoa que acompanhas estiver com dificuldade em alguma coisa ou a fazer alguma coisa, ou estiver a fazer algo “mal”, não te deixes levar pela preocupação ou ansiedade. Pensa antes – que excelente oportunidade para a ajudar a ser uma pessoa que tenta! E encoraja-a a continuar a esforçar-se, mostra-lhe que estás com ela e que és a sua maior claque!

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